terça-feira, 16 de setembro de 2008

O VALOR DAS INCERTEZAS

"Há dias, depois de começarem a ser noticiados os assaltos a carros e roubos a supermercados e gasolineiras fui a um minimercado e a uma estação dos correios. Enquanto a minha mulher entrava para tratar da correspondência fiquei fora, no carro, à sua espera. Quase de seguida, vi um agente da polícia jovem, com um telemóvel na mão, telefonar constantemente e olhar para mim com suspeição. Mantive-me calmamente no carro, a ouvir música, estacionado na rua por não ter outro lugar adequado. O polícia fartou-se de olhar para mim e, sem querer, senti que ele podia estar a suspeitar das minhas intenções, com o carro parado, a «ouvir música». Estaria eu à espera de algum cúmplice?
Era lógico que, na situação actual ele se sentisse inseguro e era admissível que me

pudesse julgar cúmplice de algum assalto. Estas situações não poderão conduzir um indivíduo a ter pensamentos semelhantes aos dos paranóicos? Que defesas têm os polícias para que isso não aconteça e para que a sua reacção não seja inadequada?
Tenho 55 anos e os meses que passei na guerra da Guiné foram o suficiente para me marcarem por toda a vida. Por acaso, quando estive parado à frente dos correios, usava óculos escuros bastante avantajados."


Meu caro senhor.
A sua missiva e a sua curta permanência na «guerra» fizeram-me lembrar um episódio interessante. No início dos conflitos em Angola, com a debandada de grande parte da população para a «metrópole», vários edifícios

citadinos estavam desabitados e alguma tropa estava aquartelada no antigo Hotel Luanda. Havia necessidade de um oficial de dia e de um oficial de prevenção e a guarda correspondente para a segurança do edifício-quartel.
Uma noite, logo depois de se saber que tinha havido motins em Nambuangongo, o major que era quase o terceiro comandante da unidade veio a correr para o edifício, bateu forte e «desesperadamente» à porta de entrada que estava fechada e, aos gritos, disse que a prisão civil tinha sido atacada, provocando a morte de alguns polícias. Passava da meia-noite e toda a gente acordou estremunhada. Quase todos esses militares, que tinham sido «retirados» das suas pacatas aldeias do interior «deste lindo jardim à beira-mar plantado», eram rapazes novos sem qualquer experiência de guerra.


Os dois oficiais de serviço reforçaram a guarnição e alertaram o pessoal para estar atento a qualquer tentativa de ataque já que o major prognosticava «maus momentos».
O edifício tinha quatro pisos e, da esplanada do topo, podia observar-se uma grande área da cidade. Contudo, a escuridão e o capim que crescia livremente nos quintais abandonados, não deixava ver grande parte de forma clara. Era necessário «adivinhar» a partir das sombras.
Os militares estavam alertados e «assustados» com as «prelecções» e «premonições» do major. A partir deste estado de espírito, vigiavam a cercania o melhor que podiam. Como havia «perigo à espreita», era necessário atacar antes que fossem atacados ou neutralizados como parecia ter acontecido com os outros!

De repente, começaram e ouvir ruídos no quintal, escuro como breu, cheio de capim e de outras árvores. Parecia que alguém estava a rastejar. As sentinelas gritaram por «reconhecimento» e, embora o ruído tivesse cessado por instantes, ninguém respondeu. Quando o ruído recomeçou, tentaram detectar a sua origem e, não havendo qualquer resposta ou reacção, dispararam nessa direcção. Silêncio total depois de um ligeiro ruído de queda. Ninguém se atrevia a ir ver o que tinha acontecido. Ficaram de alerta e aguardarem. Podia ser uma emboscada. Passado pouco tempo, voltaram a ouvir mais ruídos. Reagiram da mesma maneira. Ficaram à espera. Tudo sossegou.
Passadas duas horas, às 4 da manhã, ao clarear da madrugada, bem armados e a proteger a retaguarda, tentaram descobrir o que se tinha passado. Quantos
terroristas teriam morto ou ferido? Haveria alguém vivo à espera do «inimigo»?
Grande foi o espanto quando verificaram que tinham morto, com tiros certeiros, uma vaca e um gato que, nos últimos tempos de penúria na cidade se tinham habituado a ir buscar o seu alimento naquela local, àquela hora da madrugada, quando os humanos já não os incomodavam com as suas «guerras» e divergências.
O factor fundamental foi a má «atribuição» que os militares fizeram baseados nos conceitos e informações pouco precisas e erróneas dadas pelo major e apresentadas num tom fortemente emotivo como se estivesse num dos comícios partidários actuais.
A atribuição depende de vários factores incluindo as informações recebidas, sua comparação com as vivências anteriores, as intenções e a disposição de cada
um, etc. (ver pags 31 a 41 do livro apresentado e outros).

Se os nossos polícias forem devidamente elucidados e treinados para reagir mais
racionalmente do que emocionalmente (ver SAÚDE MENTAL sem psicopatologia, págs. 149 a 155), se também tiverem a prática de relaxamento instantâneo necessária para enfrentar situações de perigo imediato, pouca diferença lhes deve fazer observar uma pessoa como foi o senhor acerca de quem estou a fazer este post.
O mais importante é esse meu interlocutor também não fazer atribuições erradas acerca dos polícias que, hoje em dia, com raras excepções e magros vencimentos, nos vão dando o apoio que é indispensável para viver numa sociedade que se vai «civilizando» no pior sentido. Não deve ser fácil enfrentar o medo de ser constante e subitamente atacado por quem menos se espera.
Por isso, desejo calma, bom senso e, essencialmente, boa sorte para os nossos vigilantes.


PEm 2018, já existe na colecção da Biblioterapia o 18º livro «PSICOTERAPIA… através de LIVROS…» (R),
destinado a orientar os interessados para a leitura e consulta adequada de livros, desde que desejem enveredar por uma psicoterapia, acções de psicopedadogia, de interacção social e de desenvolvimento pessoal, autonomamente ou com pouca ajuda de especialistas.
  
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3 comentários:

Anónimo disse...

A conversa de Loureiro dos Santos fez-me lembrar este post que li há alguns dias e tornei a ler hoje. É muito actual e coincidente com a conversa dele. Também estive em Angola para «abrir as portas da guerra».

Anónimo disse...

Fui seu aluno há vários anos e agora calhou ler os seus actuais apontamentos sobre Psicologia Social.
Hoje, quando dei uma vista de olhos pelos seus diversos posts, este fez-me lembrar o caso FREEPORT e a importância dos boatos.
De facto, este caso parece provar que a sua intensidade é o produto da ambiguidade pelo interesse que os mesmos provocam.
Se Sócrates está inocente não poderia esclarecer tudo devidamente em vez de ir à TV «desmentir»? e vitimizar-se?
E qual a necessidede do «socorro» que os outros lhe estão a prestar?

Anónimo disse...

O meu pai já me contou um episódio semelhante vivido por ele. Foi com a ajuda dele e com recordações dos bons momentos já vividos que consegui readquirir a calma e confiança necessárias para pensar num modo de dar a volta à situação do vício da bebida. Valeu a pena e julgo que alguns dos seus posts, que estou a ver, falam nisso. Vou navegando enquanto tiver tempo e paciência.
Continue que vale a pena.